quinta-feira, maio 31, 2007

O que te faz levantar cada dia?

Eu sempre gostei de ir à escola. Eu realmente achava divertido. Por que tinha gente que não queria ir para a escola? Eu tinha a chance de encontrar com meus amigos (todos os meus amigos eram colegas de sala), aprender coisas novas e até esperava que a professora me chamasse para resolver um problema de matemática.
Hoje eu paro de manhã (ou talvez de tarde, acordar cedo nunca foi meu forte...) e me pergunto: por que estou levantando hoje?
Notei que não faço mais o que eu gosto. Até os 17 minha maior obrigação era o colégio, e esse sempre foi um trabalho tranqüilo. Tinham as eventuais provas de química que não eram lá tão agradáveis, mas mesmo nelas eu acabava conseguindo me sair bem. Fazia tudo sem grandes esforços.
Todos os dias acordava e nem questionava se valia a pena sair da cama. Tudo bem que se eu decidisse que não valia a pena, minha mãe estaria ali do meu lado e me obrigaria a "deixar de preguiça e ir logo para a escola", mas o ponto é: ela não tinha que dizer nada.
Hoje eu não gosto do que eu faço. Já falei essa frase diversas vezes, mas agora que eu vejo quanto ela é realmente séria. Não é algo para ser dito todo dia de manhã. Será que isso é ser adulto? Fazer o que você não gosta porque acha que deve fazer?


Digressão: Kafka
"Existe uma meta, mas não há caminho; o que chamamos caminho não passa de hesitação".
"O tempo é teu capital, tens de o saber utilizar. Perder tempo é estragar a vida."
"É como se alguém tivesse de subir cinco degraus de escada e uma segunda pessoa apenas um degrau, mas que, pelo menos para ela, é tão alto quanto aqueles cinco degraus juntos; O primeiro vai vencer não só os cinco degraus, mas também centenas e milhares de outros, terá levado uma vida ampla e muito fatigante, porém nenhum dos degraus que subiu terá sido para ele tão importante como, para o segundo, aquele degrau único, que não só pode subir, como passar por cima."

Ok, são só frases que eu gosto. Mas procurei elas porque parei muito para pensar em Kafka hoje. Sempre que leio Kafka, sinto uma agonia, algo que só os bons livros conseguem me fazer sentir. Um sentimento perto da revolta, só que mais brando, calmo. Um sentimento de desconforto com a situação que o protagonista está passando. Sempre pessoas ordinárias que são colocadas no meio de um absurdo (no sentido mais literal da palavra absurdo). Esse desconforto com o tempo é substituido pela sensação de comodidade. Gregor Samsa se acostuma com sua forma de barata.
Foi quando lia uma edição de Metamorfose que achei a caracterização que queria expôr aqui (sim, toda essa divagação tem um motivo). Kafka dizia que o homem pode se acostumar com tudo, desde que não tenha esperança que a situação se altere.
Isso me pegou de surpresa. Afinal, criada numa sociedade cristã na qual ululam histórias de mártires que aguentam coisas inimagináveis para nós, meros mortais, sempre achei que o homem poderia resistir a qualquer coisa se visse uma "luz no fim do túnel". Ou seja, se visse um motivo final, algo que no futuro o tirará desta situação pelo qual vale a pena lutar e persistir. A lenda do juízo final.
Mas o Kafka dizia era justamente o contrário, quando o homem não encherga uma saída, ele se acomoda. Não adianta lutar contra o que não se alterará, a situação passa a ser parte da vida. Gregor não é mais um homem que acordou como uma barata, ele realmente é uma barata.

O que isso tem a ver comigo? Eu ainda não me acostumei. Não me entreguei ao cotidiano. Dói, mas ao menos mostra que eu ainda tenho esperança.