terça-feira, agosto 28, 2007

O rio que passa pela minha aldeia



"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele."
Alberto Caeiro




O que eu faço agora que não mais tenho o Tejo? Será que ainda é preciso navegar? Já desisti da promessa de ouro e nova vida na América. Nunca descobrirei o que há além dos corredores de Hércules, nem lutarei contra hidras e outros caprichos de Urano (aqui faço uma digressão para dizer que ao menos os caprichos são de um Deus que não foi destituído de sua posição celestial).


Não consegui passar pela dor de cruzar o Bojador. E agora retorno. Bandeiras a meio mastro. Houveram perdas na jornada. Não reconheço grande parte da tripulação. O mar pode ser traiçoeiro. Sirenas tentam nos atrair com uma promessa de felicidade, companhia, um caminho mais fácil.


Penso por que não aceitei a faustiana proposta das Sirenas. Já que não iria cruzar o Atlântico, deveria aceitar um pouco de felicidade fácil. Afinal, existe algo como felicidade fácil? Existe mérito em todo momento feliz. Mesmo que não duradouro, mesmo que não sustentável, essa pequena estrela pode nos guiar quando nossas bússolas não mais funcionam.


Mas afinal, foi guiada pelas estrelas que desisti do Tejo. Voltei ao rio que passa pela minha aldeia. Rio que eu nem conheço, nem sei donde vem ou para onde vai. Mas esse rio hoje é meu, muito mais do que o Tejo algum dia chegou a ser.