segunda-feira, junho 05, 2006

Devaneios na altitude parte 3

Todas essas análises que fiz vieram agora ou em alguns outros momentos na minha mente. Quem sabe se elas são realmente as justificativas?
Eu simplesmente me encantava em voar, não era algo racional ou premeditado.
Nunca fui aquele pessoa que se enche de revistas ou livros na hora de voar - quer dizer, até comprava uma da turma da Mônica, mas era só parte de um ritual. Eu não precisava de distrações durante o vôo, nem de análises. Será que as pessoas não notavam a experiência maravilhosa que estavam perdendo?

*Uma pausa para ver as luzes de Salvador.
Por que sempre achei mais belas as luzes da cidade do que qualquer criação da natureza?
Pobre Deus, que narcisísitca inveja deve ter de sua criação... *

Hoje por algum motivo, foi diferente. Fui voar como se fosse à praça. Sem nenhum ritual ou cerimônia, sem nenhum deslumbramento.
Trouxe Budapeste para terminar de ler. Trouxe a Veja para me distrair. E, golpe de misericórdia, comprei um livro de Saramago na banca de Viracopos.
Mas todas essas tarefas que criei para mim, eu já cumpri. Esse foi o momento em que decidi escrever.
Sempre que voava eu tinha vontade de escrever grandes idéias e sentimentos que surgiam no avião e eu nunca tinha papel e caneta para registrar.
As idéias que surgem no ar, não pertecem ao nosso mundo cotidiano. São etéreas e nos escapam assim que colocamos os pés no solo. Idéias tão grandiosas não me surgiram hoje. Eu não cumpri minha parte do pacto. Eu trouxe elementos impuros - distrações, caneta, meu caderno de folhas laranjas - ao meu etéro santuário do ar. Profanei o ritual.
Pelo menos escrevi.
Tinha deixado de escrever em meu auge. Quer dizer, hoje não sei se estava em um ponto de máxima ou de inflexão.
Perdi aquilo que estava por vir. Deixei de lado a leitura e a escrita que sempre foram meu lar. Foi necessário. Esse foi meu sacrifício para seguir o caminho que imaginei ainda em minha infância.
"Mas valeu a pena? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena" F. Pessoa
Agora saio do meu santuário sobre asas. Um dia todos temos que sair. Volta a casa de meus pais - sim, já não mais a vejo como minha. Volto à mangaba, ao parque da semesteira, à infância.
Agora devo viver onde quer que esteja. Não tenho mais a desculpa de estar "andando no ar".
Até impressionantemente pouco tempo eu acreditava que podia voar. Tinha sonhos muito realistas nos quais flutuava. Não era como a maioria das pessoas quem em sonhos voam como o Super Man. Eu me esforçava muito, tinha técnica e flutuava a uns dois palmos do chão em minha casa mesmo... Os sonhos, por serem tão realistas, se infiltraram em minha mente. Ao ponto que se me perguntassem quando distraída, antes da voz reguladora da razão poder interceder, se eu consigo voar, a resposta que me vem é SIM.

As luzes da cidade, como são belas...
Agora eu volto. Volto ao solo.

Tripulação preparar para o pouso.

Luzes de Aracaju


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